Ao longo dos anos vivenciamos mudanças e inovações tecnológicas na área jurídica, mas, nada se compara ao momento atual em que vivemos. A pandemia nos deu a chance de repensar muitos pontos e a forma de gestão dos escritórios e departamentos jurídicos é um deles. De certo, além de toda a tecnologia posta à disposição do mundo jurídico, a gestão, igualmente, deve acompanhar as mudanças e as equipes precisam, mais do que nunca, de propósito, autonomia, foco e motivação para ter produtividade.
Sabemos que os modelos de gestão evoluíram ao longo do tempo e não é à toa que muitas mudanças vieram com acontecimentos históricos significativos, como: A revolução industrial em 1760 com o método de gestão mecanicista, Taylorista (baseada em seu criador Frederick Taylor), o chamado comando e controle; “A segunda guerra mundial que em 1940, fez surgir o sistema Toyota de produção com o uso do Lean, Kanban, Keizen e just in time”; 1
“Com a criação de hardwares e softwares e a preocupação com a inaplicabilidade do modelo cascata de produção, surge o guia Scrum em 1995 por Ken Schwaber e Jeff Sutherland.” 2 e 4.
E agora, com o mundo vivenciando a pandemia, muitos estão repensando o modo de gestão mecanicista dentro dos escritórios e departamentos jurídicos, para adotar um modelo orgânico de gestão que traga mais sentido ao momento atual e consiga acompanhar as exigências do mercado.
Assim, o que seria uma realidade distante para o mundo jurídico e seus departamentos, passou a ser necessário e condizente com as exigências atuais do mercado. A mudança do modelo de gestão, dito de comando e controle, mecanicista, passou a ser preterido frente às vantagens do modelo orgânico, podendo ser aplicado em todos os departamentos jurídicos, bem como, a qualquer setor do escritório de advocacia.
Há, segundo Sutherland, duas formas de fazer a gestão, “método em cascata, que gasta centenas de milhões de dólares e, com frequência, não apresenta nenhum resultado, ou a nova forma, que com menos gente e menos tempo, garante mais resultados, com qualidade melhor e custos menores.” 3
E do que se trata essa nova forma de gestão? Trata-se de um modelo orgânico que conduz a uma nova forma de pensar, a uma nova mentalidade na forma de trabalhar. De modo que passamos a ter mais adaptabilidade, flexibilidade, colaboração e responsabilidades compartilhadas. Esse modelo é o ágil, a agilidade.
Para que possamos aplicar a agilidade, um dos primeiros passos é a utilização de ferramentas como Scrum (framework mais conhecido), “Kanban, OKR e gestão 3.0”. 4
De acordo com o Guia do Scrum – Um guia definitivo para o Scrum: As regras do jogo, de Ken Schwaber e Jeff Sutherland, “O Scrum é um framework para desenvolver, entregar e manter produtos complexos”. 5
Já o Kanban é, igualmente ao anterior, uma das metodologias ágeis mais aplicadas no mundo. Quando usados em conjunto, os dois são bastante úteis, dando visibilidade e transparência ao trabalho executado.
Segundo J.J. Sutherland , o “Scrum é a forma que uma pessoa, uma equipe e uma organização se torna capaz de responder a essa complexidade, de responder as metamorfoses que não podem ser previstas, de se mover com agilidade e entusiasmo, através de um espaço com problemas em constante transformação. O ritmo das mudanças pelos quais estamos passando exige uma maneira diferente de trabalhar. O Scrum é o tipo de resposta para isso.” 6
O referido modelo, usado, inicialmente, na área de tecnologia da informação, e nas grandes e bem sucedidas empresas, como Google e Facebook, passou a ser utilizados em escritórios de advocacia e departamentos jurídicos.
O Kanban, por sua vez, é um método de gestão à vista, com ele, consegue-se identificar e listar, em ordem de prioridade, as atividades que serão feitas, por exemplo, na sprint do scrum. O Kanban permite ao gestor e a toda a equipe o acompanhamento e a colaboração para a conclusão da atividade. Essa transparência é conseguida por meio de cartões de atividades que, com previsibilidade, evita procrastinações e permite soluções, bem como, a visibilidade do andamento de todas as atividades listadas, sendo estas, urgentes ou não.
As metodologias ágeis, sejam em qual ferramenta escolhida, levam ao único sentido: foco na satisfação do cliente, importância das pessoas no time e a colaboração entre elas, estar aberto a mudanças, evitar desperdícios e burocracias que criam gargalos e impedimentos para as entregas de valor.
Ser ágil e aplicar a agilidade nos escritórios, controladorias jurídicas/Legal Operations e departamentos jurídicos traz ganhos à todos não só com relação às entregas rápidas e de qualidade, mas, também, e principalmente, por permitir, além de feedbacks contínuos, e ciclos curtos de melhoria, ganho na qualidade e produtividade do serviço, com entregas de valor, num menor espaço de tempo, desempenhado pela equipe com adaptabilidade, flexibilidade, produtividade e colaboração.
Permite-nos “fazer o dobro do trabalho pela metade do tempo”.
Dessa forma, pensando nos escritórios e num setor específico, como a Controladoria Jurídica/ Legal Operations que atua com sua natureza gerencial, este modelo de gestão, orgânico e ágil, cabe perfeitamente, não só nas equipes de advogados, mas, também, nos departamentos jurídicos e naquelas, algo que, particularmente, tenho introduzido e vivenciado os benefícios e vantagens da sua implantação.
A controladoria jurídica, segundo Samantha Albini, “é um setor do escritório de advocacia ou departamento jurídico que atua dando suporte ao setor técnico, garantindo a efetividade, a qualidade, a segurança e a agilidade nos serviços jurídicos e realizando a análise de resultados da produção jurídica. Ela também atua como guardiã do software de gestão, assegurando sua integridade, e como o setor de qualidade do escritório e departamento jurídico, criando, fiscalizando e mantendo os procedimentos-padrão. De qualquer forma, o importante é compreender que ela é o setor responsável pela gestão centralizada dos serviços jurídicos.” 7
Assim, fica claro que a controladoria jurídica/ Legal Operations é o setor responsável por uma gestão abrangente que envolve: gestão do software, gestão da qualidade, gestão de resultado, bem como, é ela quem gerencia os pedidos da equipe técnica dando-lhes suporte em suas demandas. É nela, na Controladoria Jurídica, que encontramos uma gestão centralizada dos serviços jurídicos com métricas e entregas de valor.
Importante ressaltar ainda que “várias organizações e palestrantes que são referência no mercado jurídico, mencionaram a agilidade como o caminho a seguir, como por exemplo, o CLOC (Corporate Legal Operations Consortium) entidade criada por um consórcio de Departamentos Jurídicos nos Estados Unidos que divulgou recentemente um artigo no sentido de que os Operadores Jurídicos devem adotar três características críticas: devem ser ágeis, centrados no valor e capacitados para a tecnologia. Foi a partir do trabalho do CLOC que surgiu a ideia do Legal Operations.” 8
Sendo assim, é pensando nessa gestão, na evolução tecnológica e nas necessidades atuais que torna indispensável vivenciar a agilidade, retirando não só das equipes técnicas, mas, também, dos membros da controladoria jurídica/ Legal Operations e departamentos jurídicos, a visão mecanicista para acompanhar o mundo “cada vez mais digital, incerto, ambíguo e volátil. As práticas da antiga gestão já não funcionam para essa nossa nova realidade”. 9
O time de profissionais da controladoria jurídica/ Legal Operations tem todas as características necessárias para o sucesso do modelo de gestão, por serem, muitas vezes, multifuncionais por natureza, possuírem as atividades de todos os setores inclusive o seu, facilitando a visualização e priorização do backlog do produto além de possuírem a organização e senso de urgência inerente ao setor.
Dessa forma, embasados nos princípios e valores do método (Scrum associados ao Kanban), a agilidade na gestão dos escritórios, controladorias jurídicas/Legal Operations e departamentos jurídicos, nos dará não só uma gestão à vista, sem desperdício de tempo, mas, também, a certeza de desfrutar dos ganhos na produtividade obtidos por meio de equipes engajadas e colaborativas, em um ambiente saudável e com entregas de valor.
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1 E book jurídico ágil-curso e comunidade. Saiba como implementar as Metodologias ágeis, o Kanban e o Scrum nos escritórios e departamentos jurídicos, e alcançar uma gestão jurídica mais ágil e colaborativa. Junho de 2021. P.9
2 Guia do scrum- um guia definitivo para o Scrum: as regras do jogo
3 Sutherland, Jeff. Scrum. A arte de fazer o dobro do trabalho pela metade do tempo/ Jeff Sutherland., J.J.Sutherland. Tradução de Nina Lua.Rio de Janeiro. Sextante. 2019 p.24
4 E book jurídico ágil-curso e comunidade. Saiba como implementar as Metodologias ágeis, o Kanban e o Scrum nos escritórios e departamentos jurídicos, e alcançar uma gestão jurídica mais ágil e colaborativa. Junho de 2021. – p.17
5 Guia do Scrum- Um guia definitivo para o Scrum: As regras do jogo.
6 Sutherland , J.J. Scrum: guia prático. Tradução de Nina Lua. Rio de Janeiro. Sextante, 2020. P.13-14
7 Albini, Samantha. Controladoria jurídica: para escritórios de advocacia e departamentos jurídicos./ Samantha Albini./ Curitiba: Juruá, 2014. P. 127
8 E book jurídico ágil-curso e comunidade. Saiba como implementar as Metodologias ágeis, o Kanban e o Scrum nos escritórios e departamentos jurídicos, e alcançar uma gestão jurídica mais ágil e colaborativa. Junho de 2021. -p. 18-19
9 E book jurídico ágil-curso e comunidade. Saiba como implementar as Metodologias ágeis, o Kanban e o Scrum nos escritórios e departamentos jurídicos, e alcançar uma gestão jurídica mais ágil e colaborativa. Junho de 2021. – p.9
Artigo atualizado. A primeira versão foi publicada no Migalhas.
Autora:
Gleicy Michella de Souza Lima Tiso
Graduada em direito pela FIR/PE em 2011.
Graduada em odontologia pela FOP/UPE em 2001 e pós-graduada pela ABO/PE em estética restauradora.
Membro do grupo Mulheres Agilistas e do Business Agility Institute Brasil (BAI Brasil).
MBA premium em gestão para escritórios e departamentos jurídicos pela Baiana Business School (em andamento).
Sócia/ gestora da área de controladora jurídica/ Legal Operations do escritório Ivo Barboza & Advogados Associados.